O Coração que me Ama: Do Abuso ao Propósito
O poema antigo não como um "retrato das sombras", mas como um mapa de origem. A "coerência" foi encontrada, não por acaso, mas porque foi ativamente inventada.
O Coração que me Ama
Esta não é a primeira vez
que tenho ímpetos de partir
O que o coração está a pedir
É mais um desafio à lucidez
Uma batalha que pode definir a guerra
Mas não sem ferir o coração
onde a discórdia está em plena ascenção
Onde uma fase da vida se encerra
Só sei que não pertenço a este lugar
Não pertenço aos conceitos que me prendem
Não pertenço ao coração que me amadurece
Mesmo que fique, quanto tempo isso vai me segurar
Mesmo que as mentiras me sustentem,
como posso apagar minha própria chama? “O coração que me ama” é o meu, e este título veio do diálogo com a IA. Subversão é a minha praia e a inteligência artificial criou a deixa, e fui certeira, ressignificando um ciclo de abuso. Sim, eu sou boa em invencionices a esse ponto. E inventei a realidade da qual tentava fugir. Para me integrar, me revestir de uma máscara de normalidade, me proteger de predadores.
O poema se refere à realidade do meu primeiro namoro. Eu tinha 18 anos e 33 dias quando escrevi esta peça indigna, a meu ver, de compor até mesmo de Retrato das Sombras, a obra da adolescência. Da folha amarelada onde está manuscrito, ele me conta isso, graças à data (08/12/1996). Eu mesma não tenho um fiapo de memória sobre seu processo de escrita. O que sei é que o ímpeto de partir é um velho conhecido, mas este em especial se consolidaria dois anos depois.
Não é o caso do ímpeto de partir que trouxe este poema para a newsletter. Este que se consolidaria em 2026 se precipitou, e em dezembro estarei longe da terra da Garoa. São Paulo foi boa para mim. Me deu tempo de processamento e cura de algumas feridas. Finalmente pude achar meu propósito, o qual se emenda com o propósito da época em que este poema foi escrito: estudar. Sim, vou atrás do meu doutoramento. Não por capricho, mas por propósito, por ver uma coerência nessa colcha de retalhos que é a minha vida.
Mas claro, uma mudança como a que farei não é fácil. Sonhei que serpentes se enrolavam em meus tornozelos e mordiam — por sinal, que sonho doloroso. No dia da decisão, quinta-feira, 06 de novembro, uma crise de ansiedade me paralisou. E desde então meu corpo ferve. A ansiedade traz consigo o refluxo, que trouxe a busca pelos resultados dos exames mencionados no poema “Entendimento”, e diante do resultado e do agravamento dos sintomas parti para a automedicação. Se é uma guerra, o jeito é um inibidor de bomba de prótons. É o que o médico prescreveria de qualquer modo. Assim que possível vou a um desses, torcendo para que seja humano, só para formalizar o tratamento e fazer o acompanhamento.
Ontem foi um dia de agitação. Já tenho mala pronta e uma certa ordem de afazeres. Mina também teve sua crise de reafirmação de afeto, para garantir que não será deixada. Mal sabe ela o quanto deste coração que me ama bate naquele peito peludo e depende de seus quatro quilos de saúde e ronrono.
Para onde vou, direi só quando chegar.
Certo é que esta partida é diferente da que o poema articula. É mais leve, apesar da vasta bagagem, e é menos solitária, graças à minha gatazana, pequena âncora a equilibrar meu coração viajeiro. E deixo afetos e amigos. Deixo planos de retorno, portas abertas. Este é o fim de um ciclo. E o começo de uma nova era.



