Vingança
Do Caderno à Tela: Uma Adolescência em Versos e a Série que Ecoa. Leia a reescritura de hoje e a versão da minha adolescência. Me conte qual sua preferida e se você assistiu à série Adolescência.
Eu queria vê-los, corpos salpintados Em minhas mãos os ossos partidos e sua dor instilando em meus sentidos o êxtase de mergulhar no passado Em cada respingo rubro uma cena. Em cada expressão de dor, pedaços do meu orgulho reduzido a espaços vazios, de onde a morte me acena. Em seu grito de dor minha voz emudecida Em sua fúria sem força a minha contida Em suas lágrimas minha amargura. Cada segundo de agonia me saciando ao fazê-los andar pelo caminho que ando e repousar em uma tumba fria e escura. Há algo de mágico em revisitar os cadernos da adolescência, não é mesmo? Mergulhar naquelas palavras rabiscadas, nos sentimentos à flor da pele, nas descobertas e angústias que moldaram quem nos tornamos. Hoje, abro uma dessas páginas para compartilhar com vocês um soneto que nasceu entre os meus 14 e 18 anos: 'Vingança' (versão original abaixo, e acima é a reescritura de hoje, 25 de abril de 2025). Naquela época, a vida pulsava com uma intensidade única. Cada alegria era um sol radiante, cada dor, um abismo profundo. A arte, para mim, como para tantos adolescentes, era um refúgio, um grito silencioso, uma forma de dar corpo a esse turbilhão de emoções. Escrever poesia era como encontrar um eco para os sentimentos que, por vezes, pareciam não caber dentro de mim. Essa mesma intensidade, essa busca por identidade e a explosão de sentimentos complexos, me fazem pensar na série 'Adolescência' da Netflix. Ela nos lembra como essa fase da vida é um caldeirão de experiências, e como a arte – seja na música, na escrita, no desenho – pode ser uma ferramenta vital para compreender e expressar o mundo interior e ao mesmo tempo evitar os desfechos violentos. Convido vocês agora a uma experiência um pouco diferente. Abaixo, vocês encontrarão a versão original de 'Vingança', escrita por aquela adolescente ávida por expressar suas emoções antes de ser engolfada por elas.
Vingança original Eu queria vê-los de sangue pintados Seus ossos em minhas mãos se partindo A sua dor em minha alma sentindo Em lúdico êxtase mergulhar no passado Em cada gota de sangue uma cena Em cada expressão de dor os pedaços Do meu orgulho reduzido a espaços vazios, de onde a morte me acena. Em seu grito de dor minha voz emudecida Em sua fúria sem força a minha contida Em suas lágrimas a minha amargura. Cada segundo de agonia me saciando Ao fazê-los andar pelo caminho que ando para então repousar em tumba fria e escura.
É a primeira vez que faço uma alteração em um poema daquela época e que sinto que ele não perdeu sua essência. Busquei um refinamento literário sem alterar a emoção. Ou a intenção, ainda muito mais familiar do que eu gostaria de admitir. Antes de consolidar o horror dentro de si ao ler versos tão violentos, lembre-se que eu era uma menina autista sem diagnóstico, sem suporte e sempre tolhida em minhas diferenças comportamentais e expressivas, que divergiam do esperado para as meninas nos anos 80 e 90. E acrescente a informação de que eu era submetida a um ritual de humilhação verbal diante de toda a família, no qual ouvia em silêncio meus erros serem listados desde a mais tenra idade até o tempo presente. Claro, a lista de meus crimes só crescia, assim como eu, uma menina magrela e comprida, sem modos para sentar, que com o tempo não compreendia como aquela gente podia fazer uma lista de malfeitos feitos aos cinco anos e aos 8, 10, 12, como se todos tivessem mesmo peso e valor.
Minha escrita sombria era catártica e libertadora. Ainda o é. Talvez hoje mais do que nunca. E é mais fácil reler esses poemas hoje em dia e ver os sentimentos de uma distância segura e analítica. E por vezes cômica, por que ao terminar a reescrita, vi no verso final um vampiro, buscando seu repouso diurno em uma tumba fria e escura. Sim, uma saga vampiresca de maldição e vingança. Afinal, alguns monstros são imortais e eu penso em imagens.



