Tormenta: O Grito Silencioso do Meltdown Autista - Arte e Realidade
A poesia que revela o meltdown do autista nivel 1 de suporte: implosivo, cataclismico mascarado.

Tormenta
É uma chuva de ilusões
Tempestade de lamentos
Céu nublado de paixões
Céu pintado e tormentos
É uma lufada de sensações
Furacão de pensamentos
Naufrágio de emoções
Erosão de sentimentos
É um mar de ansiedade
Rugindo sob a tempestade
Tentando se libertar
É um mar de cor intensa
De sabor e força imensa
Debatendo-se em meu olhar
“Tormenta” é um poema que aborda diretamente a experiência do meltdown e um hábito que se iniciou muito cedo, como o próprio poema, escrito em meados dos anos 90, evidencia: o de conter a irrupção externa. Isso torna o meltdown de uma autista nível 1 de suporte implosivo. A superfície raramente revela o tumulto interno e profundo.
Quantas vezes, sendo tragada por esse sorvedouro, contemplei nas profundezas a face serena de minha mais antiga oponente? Diria hoje que, depois de tantos encontros, somos amigas. Ela é a única mão amiga a me esperar no fim da jornada. Quando não sei. Findará quando tiver terminado.
E eu só comecei esta jornada de reparação, na qual posso afirmar que “Tormenta” registra com rigor poético e precisão fenomenológica o meltdown de uma autista habituada a processar conscientemente seus processos internos e a mascará-los. Posso lembrar o que ele significa como se a memória de escrevê-lo tivesse ficado impressa em minhas mãos.
Infelizmente, posso aferir a veracidade dessa experiência por meio da minha jornada presente. Em menos de 10 dias, vivi essa experiência três vezes, tentando obter o atendimento humanizado preconizado nos estatutos do SUS. Navegar a banalidade do mal que oleia as engrenagens sociais é devastador. E estou exausta demais para dizer mais do que o poema já diz.
Em minha memória comprometida pelo volume aumentado de coisas a processar, tinha certeza de já haver escrito este texto. Creio que, em minha mente, enquanto o corpo não operava direito, o escrevi com melhor qualidade do que posso fazer agora que estou de novo navegando um mar de ansiedade.
Naquele tempo [dos anos 90, quando o poema foi escrito], eu fazia muito esforço para olhar nos olhos das pessoas. Sentia-me extremamente vulnerável e acreditava que veriam minhas fraquezas. E fazia sentido, afinal, era por onde o tumulto externo vazava, como um choro irrefreável por um simples comando da vontade.


