Uma tentativa de Selfie em tempos de Pandemia
Sombras
O ambiente repleto de luz no qual me encontro
É o que desejo que meu olhar sempre alcance,
Mas a distração de Morfeu me toma, me vence,
e, seduzida, no reduto das sombras eu entro.
Velhas conhecidas ainda me espantam, as trevas,
bravamente retidas atrás das frágeis retinas,
como se ao fim do dia fosse aberta a cortina
para a noite fria, coberta de névoas.
Onde se refugiam os instintos proscritos,
os demônios da obscura alma humana,
os olhos flamejantes de incontáveis delitos
e toda a enfermidade que a luz não sana.Retrato das Sombras
O poema "Sombras" pode ser lido como uma exploração da psique humana, profunda e dicotômica. A luz e a sombra justificam o nome que escolhi para o livro: “Retrato das Sombras”. Como um retrato, este poema é um momento fixado no papel, um recorte de uma realidade na qual as forças da psique estão sob escrutínio.
O Monstro Interno e o Mascaramento Autista
Acostumada a confinar nos recantos obscuros da consciência — devidamente vigiados pela culpa e pela vergonha —, aquilo que passei a chamar de “o monstro em mim”, eu me demorava observando essa dualidade sob diferentes ângulos. A perfídia se inscrevera na tábula rasa que eu era e a enxergava como uma mancha a ser escondida.
Se fosse a tinta de uma tatuagem, eu estaria desesperadamente buscando não encapsulá-la na derme, onde seria visível, mas absorvê-la de modo a internalizar e reter toda essa sujeira em mim. Esse é o esforço do mascaramento no autismo.
O Refúgio da Sombra
As sombras simbolizam o inconsciente, os medos, os desejos reprimidos e os aspectos mais sombrios da nossa personalidade, mas também o refúgio salutar. Se o conceito de sombra da psicologia for empregado em paralelo com a imagem que abordo nesse poema, a perfídia está no mesmo lugar de meus plenos potenciais.
O eu lírico, ao ser "seduzido" por Morfeu, não está apenas adormecendo, mas sim mergulhando em um universo de pensamentos e sentimentos que não podem ser revelados ou curados pela luz.
A Percepção Neurodivergente
Um autista é, em certo aspecto, lúcido demais, porque o mundo se revela sem atavios. Enquanto o autista se mostra com uma máscara, o mundo lhe revela a face dura e deslavada.
A percepção neurodivergente do mundo é racional, direta e desmantelada. Ela vem entrecortada, como um mosaico em permanente construção que ainda carece de rejunte e, por isso mesmo, tem múltiplas arestas cortantes, vãos, e uma espécie de pixelagem analógica que denuncia sua artificialidade.




