"Símbolo": Escrita, Memória e a Perenidade dos Refúgios Interiores
O poema escrito na adolescência que se tornou um farol de resiliência e autodescoberta. Uma jornada íntima de uma mulher autista que, contra estereótipos, encontrou na escrita seu maior refúgio.
18 anos e ainda incapaz de olhar para tirar a câmera na hora da foto.
Símbolo
Uma linda rosa desabrochou esta manhã,
De cor incomum, pelo orvalho banhada.
Em cada uma de suas pétalas aveludadas
Eu guardei um sonho e uma alegria sã,
Livre de qualquer tristeza deste mundo louco.
Rogo para estes sonhos a sina de desabrochar;
E hão de servir, as alegrias que irá guardar,
Caso seja tarde e para o coração reste pouco.
A rosa desabrochou para mim na madrugada
E será minha estrela cadente e coração reservado.
Hei de levá-la comigo na minha estrada.
E como aclamado símbolo de amor que é,
Hei de banhá-la na esperança que me preserva
E torná-la símbolo vivo da mais genuína fé.A Gênese de um Ser: O Extenuante Trabalho de Autoconstrução
Não sou percebida como uma pessoa autista. Talvez como uma mulher "entrona", arrogante, sem noção e sempre metida em rolo. Os olhares suspicazes diante da informação me instigam a explicar o quão diferente eu era quando criança ou adolescente. E continuo sem saber se fui compreendida ou vista dentro de um espectro que tem se tornado, por si só, suspeito.
Poemas como "Símbolo" trazem para mim a dimensão do meu trabalho extenuante e às cegas para me constituir um ser no mundo. Posso me afirmar uma materialização da expressão "self-made woman" sem sombra de dúvida. E o digo sem orgulho, sentindo ainda as fadigas do trabalho extenuante e contínuo de criar repositórios, catálogos e índices. Não à toa minha identificação com o personagem Jean-Baptiste Grenouille se deu em tantas camadas e profundidade. Seu palácio mental de odores criteriosamente catalogados é análogo ao meu caótico mistifório de palavras. Caótico, mas entabulado para se posicionar adequadamente na hora certa, como se coordenado por uma força magnética que sabe onde cada peça deve se encaixar.
"Símbolo": A Rosa que Preservou Sonhos e Desejos
"Símbolo" foi escrito no dia do meu aniversário. Se de 15 ou 17 anos, não lembro, mas era ímpar. Guardo um sentimento de plenitude que me atravessa quando o releio, e por isso sei que foi um dia feliz. Talvez eu tivesse 17, pois adorei estar nesse limiar entre a adolescência e a maioridade civil. A rosa foi guardada em meio a uma agenda por muitos anos, até perder-se em alguma mudança, quando certamente já era celulose desidratada e cinza. Mas no poema nunca perdeu o viço. Creio que nesse encadeamento de palavras fez-se a mágica de preservar-lhe a essência e os meus desejos.
O orvalho que a banha realça sua pureza e frescor até hoje. E como tal, permanece como um repositório de sentimentos positivos e aspirações verdadeiras. Poemas como "Símbolo" preservaram em mim uma vocação para a felicidade. A rosa tornou-se mais do que um símbolo, pois assumiu no encadeamento um papel de reserva emocional e construção de resiliência. Com a escrita, sua efemeridade foi suplantada e ela, de fato, tornou-se meu coração reserva. Tive um sonho certa vez, no qual uma menina nascia de um casulo em minha mão, mas logo eu a perdia. No entanto, eu sabia que ela havia guardado sementes de si e renasceria. Intuitivamente, eu sabia que havia guardado sementes de mim em cada palavra escrita.
O Mapa dos Refúgios: Símbolos para a Jornada do Eu
Só eu sei a distância entre a menina e a mulher e quantos refúgios interiores precisei criar para subsistir. E caso eu esqueça o percurso, deixei "símbolos" para restabelecer memórias de um eu que ainda tem peças soltas, se ajeitando para se encaixar. Símbolos multifacetados, com múltiplas camadas de significado e com essa ingenuidade de crer que o universo nos presenteia, cabendo-nos aguçar a percepção para perceber suas dádivas e esse paradoxo de uma efemeridade como a rosa evocar tanta ternura e preservar tanta beleza, mesmo depois de fenecer. O que nos toca é, de algum modo, perene.



