Poema "Força": Resiliência Feminina e Arqueria.
Uma reflexão sobre a resistência feminina que utiliza a metáfora da arqueria japonesa (Kyudo) e a "flecha represada" como estratégia de poder e autonomia.

Força ( original)
Aos inimigos dedico a presente persistência
que nutre revigora a minha alma atribulada.
Caso me vejam sentada à beira da estrada
será apenas a sombra da minha paciência
E caso me encontrem esgotada no caminho,
aviso que não vem da carne a minha força
Nasce do desprezo às causas que me oponho
E mesmo que em batalhas extenuante combata
e repleta de dor e cansaço me contourça
não há força no mundo que me abata.
O encerramento de ciclos e a potência do inacabado
Força é um poema que evoca o espírito do encerramento de 2025 para mim. Ao mesmo tempo, ele tinha algo de inacabado. Quase recordo o desgosto de imaginar um soneto e esgotar o assunto antes de alcançar a forma exata! Mas ele tem potência. E esse inacabado não deixa de repercutir diretamente no espírito deste fim de ano, que indica o encerramento de ciclos de dor e, com isso, o início de novos caminhos. Caminhos que não descartam os trajetos já percorridos; pelo contrário, eles são a matéria da jornada futura e, ao mesmo tempo, seu alicerce.
Mas se o poema pede algo, é preciso oferecer algo. E ofereci um quarteto novo, completando a forma idealizada. Ela guarda uma potência que torna a pausa evocada na primeira estrofe estratégica. E feminina.
Força. Versão 2025
Aos inimigos dedico a presente persistência
que nutre e revigora a minha alma atribulada.
Caso me vejam sentada à beira da estrada
será apenas a sombra da minha paciência.
Não julguem, pois, que o passo se retarda
por medo do destino ou da jornada.
A minha inércia é flecha represada,
que no silêncio do arco, o alvo aguarda.
E caso me encontrem esgotada no caminho,
aviso que não vem da carne a minha força
Nasce do desprezo às causas que me oponho.
E mesmo que em batalhas extenuantes combata
e repleta de dor e cansaço me contorça,
não há força no mundo que me abata.
O arco como grande equiparador
Ao permitir que uma mulher abata um oponente maior sem entrar no combate corpo a corpo, simbolicamente, o arco representa a inteligência sobre a força bruta. É a capacidade de manter a distância, preservar-se e, ainda assim, ser letal. Se em poemas passados, como Desfere, eu sentia minha palavra ferir e tombar vencida, em Força — na sua versão revisitada — sinto que a palavra se tornou uma arte em si, e o alvo é só o ponto de chegada de um percurso de vigilância ativa. Eu não me desmancho com o alvo abatido; subsisto ao processo. Eu me pertenço.

Zanshin e Kyudo: A inteligência sobre a força bruta
Não à toa, o arco é símbolo de autonomia feminina no cinema e na mitologia. Embora eu considere que seja um símbolo cooptado pelo patriarcado — especialmente quando alocado nas mãos de Ártemis e sua liberdade condicional vigiada, como defendi em minha dissertação de mestrado —, em sua origem, essa conexão entre a mulher e o arco é mais antiga e evoca mais nobreza do que a visão patriarcal poderia admitir. A cultura oriental preserva isso no Kyudo.
Tanto na filosofia do Kyudo quanto em sua estética, é uma arte belíssima que preza mais pela técnica do que pela força, usando a biomecânica dos ossos em vez da força dos músculos; aprimora o espírito enquanto prepara o corpo para a batalha. Hoje, o Kyudo tem maciça participação feminina no Japão, pois permite que mulheres disparem arcos enormes com a mesma letalidade e elegância de um homem forte. O segredo não é puxar com o bíceps, mas expandir o peito e o espírito.
De Ártemis a Macária: Reivindicando a autonomia
Por isso, em Perséfone em Hades, Macária — a filha de Perséfone gerada por partenogênese — é uma arqueira de influências japonesas. Ela “coteja meu barroco com o seu minimalismo”. Macária, escrita há oito anos, começa essa busca pela precisão letal que incorpora excelência estética e enceta cataclismas. Pois algumas velhas estruturas precisam ruir, e nós só temos a palavra.


