O Natal à Deriva e a Promessa de um Novo Lar.
Hoje é dia 25 de dezembro e eu me desconvidei para o Natal. Um relato sincero sobre autismo, exaustão social e a jornada para construir um novo lar ao lado da minha gata, Mina.

Feliz Natal! E se tranqulize, pois o deconvite não foi um dramalhão mexicano, mas uma crônica natalina, aqui de presente para você. Ocorre que anteontem, na antevéspera, como é típico de qualquer autista, me parece, eu consegui me desconvidar para um encontro. Seria um encontro de véspera, não exatamente um encontro natalino, mas uma reunião familiar — de uma família que não é a minha, mas na qual eu seria carinhosamente integrada. Aceitei de primeira e me deconvidar mais tarde foi um gesto de autopreservação; não foi algo ocasionado apenas pelas minhas dificuldades sociais corriqueiras, mas também por uma reação primária aos reveses da vida.
Percebi na antevéspera do Natal que o lugar em que me encontro não é exatamente o lugar adequado para mim; é mais um lugar de passagem, é temporário. Fui jogada por uma conversa em uma zona de instabilidade externa e interna muito grande, que literalmente devorou a minha energia para estar em qualquer evento social. Ontem, a véspera foi o dia em que o cansaço me derrubou. Servi apenas para organizar algumas gavetas e tomar algumas decisões quanto às roupas de verão — que em Minas Gerais não fazem o menor sentido por enquanto. Há um contraste estranho aqui: enquanto o lado de fora pede leveza e frugalidade, o meu lado de dentro ainda está “agasalhado” em camadas de proteção e exaustão.
Para me recuperar tomei duas decisões: ficar em casa e declinar também da escassez de tudo. Estou farta da escassez de afeto, de encontros familiares e de recursos para realizar o que eu preciso realizar. Estou farta de ser jogada nessa instabilidade de tempos em tempos; esses ciclos que parecem cada vez mais curtos como se eles tivessem me provocando a tomar uma decisão! Se é assim, então eu digo: basta. Eu quero uma outra vida para mim. Quero um outro futuro e principalmente um presente melhor. Eu não posso mais viver às custas da minha imaginação. Esse refúgio mental é muito custoso para o corpo e não provê o espaço, o ar fresco, a alimentação saudável e o ambiente de segurança que a Mina precisa. E eu também preciso.
Minha vida inteira foi de instabilidade, de medo. E agora basta.
Se eu tivesse um lugar adequado, este ano teria montado montado uma árvore de Natal. Percebi que o Natal no cinema deixou de ter uma referência religiosa há muito tempo; a figura invocada é o Papai Noel — esse “Bom Velhinho” que alguns tentam explicar e outros apenas dizem que é uma criatura mágica, capaz de trazer de volta a ternura aos corações.
Confesso que enquanto eu descansava ontem, revivi outras dores que só o natal poderia me fazer reviver. Sofri um pouco pelo que me foi tirado nos últimos anos. Acreditava que eram águas passadas, mas ainda me fere! O o que me conforta é saber que recuperei um pouco dessa doçura quando imaginei a minha casa com uma bela árvore muito bem decorada, cheia de luzes e preparativos para esse momento natalino, e com um novo significado. Talvez eu até enfeitasse com uma pai noel em seu trenó cheio de presentes.
É impossível negar que o conceito de família tem muito a ver com esse revival do esperiito de natal em meu coração. Desde que saí de Curitiba, rumo a São Paulo em 2024, eu olho para a Mina e digo que ela é o meu lar, e eu sou o dela. Em Minas Gerais isso fiou mais evidente. Estávamos no hotel à espera do horário para fazer o check-in depois de uma aventura tenebrosa, exaustas de uma longa viagem e de uma noite terrível num lugar horroroso, as duas vulneráveis. Eu sentei, e Mina, muito agitada, fez o reconhecimento do local, dando algumas volta pela sala sem porta que me impedia de retirar sua guia por um momento. Por fim , ela ficou presa com a guia na minha poltrona, e enroscada parou ali debaixo. A libertei e coloquei sentadinha ao meu lado , onde ela se acomodou e dormiu por alguns minutos. Eu sou a segurança dela. Naquele instante, o “alto mar” parou de balançar; fomos, ali, a âncora uma da outra.
E ela, com seus três quilos de brabeza e seu pelo cinza escuro brilhante, é o meu lar e a minha segurança. Mas, meu Deus, ela precisa de mais espaço, mais estabilidade, mais conforto. Ela precisa de mais ar fresco, mais janelas para bisbilhotar. E eu também. Muita coisa precisa mudar daqui para a frente. E eu preciso que no próximo Natal haja espaço para montarmos uma árvore bem coruscante. Isso me dará a certeza de não estar mais à deriva.
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Você pode transformar esse futuro em presente.
Boas festas!



