O Fogo Criador: Um Poema Sobre Autenticidade
Um poema adolescente que revela a métrica da alma e o dilema da mulher neurodivergente
Aos 18, ou 19, no Jardim Botânico, Curitiba
O Fogo Criador
Esta não é a primeira vez Que tenho ímpetos de partir O que o coração está a pedir É mais um desafio à lucidez Um batalha que pode definir a guerra Mas não sem ferir o coração Onde a discórdia está em plena ascenção Onde uma fase da vida se encerra Só sei que não pertenço a este lugar Não pertenço aos conceitos que me prendem Não pertenço ao coração que me ama Mesmo que fique quanto tempo isso vai me segurar? Mesmo que as mentiras me me sustentem Como posso apagar minha própria chama
A Métrica da Alma
O não pertencimento é a força motriz desse poema, considerado indigno até de pertencer à obra intitulada “Retrato das Sombras”. E assim, ele permaneceu no caderno até ser resgatado, alguns anos atrás, e grampeado em um dos volumes. O poema contém a data da composição: 8 de dezembro de 1996.
O papel mimetiza as marcas da ruminação, macerado pelo tempo, e seu verso tem um extenso poema — este sim, selecionado para compor a obra visualizada —, composto em 1º de dezembro de 1996.
Conflito Interno e a Busca por Autenticidade
A meu ver, a angústia da adolescência permanece na dicotomia razão-emoção. A razão exigia ficar, enquanto a emoção ansiava por partir, sob o argumento do risco de extinção da alma, da própria essência, representadas pela chama. Neste caso, a chama não é paixão de nenhuma ordem, mas o fogo criador, transformador e vivo.
Nesta época, eu havia criado uma vida para mim, seguindo padrões sociais que dialogavam com minha necessidade de sobrevivência. Essa vida, no entanto, tornou-se uma prisão. Como o artifício que era, ela me limitava e salientava o sentimento reinante de não pertencer e não caber. A necessidade de "mascarar" (imitar comportamentos neurotípicos para se encaixar) é um fardo pesado, e o poema expressa o cansaço dessa performance, necessária para a manutenção da estrutura criada.
“Não pertenço aos conceitos que me prendem” questiona expectativas sociais e convenções que restringem não apenas a pessoa autista, mas sobretudo a mulher autista.
O Dilema da Mulher Autista
Eu desejava segurança, uma família, um lar, mas desejava também educação, conhecimento e liberdade. As máscaras sociais escorregavam do meu rosto e eu insistia em recolocá-las no lugar, ainda com medo de ser vista em minha real apresentação. A luta de uma mulher autista para caber no mundo é como o dilema de um ator com memória ruim e pouca capacidade de improviso. Exige ensaio, treino, ruminação. E, ainda assim, alguns cacos se infiltram no texto e deixam entrever a verdadeira natureza.
Sob a perspectiva da neurodivergência, o poema, que tenta se encaixar na forma do soneto, mesmo com uma métrica estapafúrdia, se torna um relato poderoso sobre a busca por um lugar no mundo onde a autenticidade não seja um desafio, mas uma força. Ele expressa a dor da alienação, a luta para se relacionar em um mundo que não entende sua lógica e o imperativo de ser fiel a si mesma, mesmo que isso signifique "partir" para encontrar um lugar onde sua chama possa brilhar livremente.






