O "Cilício" da Memória e do Desejo
O poema de abertura do capítulo Lete da obra "Perséfone EM Hades" é uma jornada poética sobre o esquecimento de um amor, a dor do desejo e a entrega ao rio da memória.
Imagem criada por IA, inspirada no poema e na iconografia da Ofélia, de Shakespeare
Cilício
Naveguei o esquecimento
de mim, de ti, de nós
Rota de fuga para quando
a cota de solidão é tingida.
Hausto de ilusão a conduzir
a vida para essa foz, na qual
a queda me percorre e distribui
pelos afluentes do desejo
desmantelada, à deriva e sem
traquejo para atracar.
E só há conforto no braço
do rio a me engolfar.
É teu suspiro, amor,
que sopra meus cabelos?
É teu suspiro.
E atiça o fogo interior,
eriça vontades,
suscita desvelos
até que um rosto qualquer
enfune o pensamento,
esse pergaminho macio,
Cilício
exposto ao relento da ideia.
Sempre adivinho o desvio
e a escalada do tempo me
consterna. Porquê te adoro,
e monja avant garde
me entrego à paixão sem
fazer alarde.
E tardo.
Agrilhoada ao corpo
genuflexo, contrito, ciente
do vício de viver. E o teu
lento desvanecer é o cilício
a me escarnecer, a esvaziar
o sexo, a força nutriz e a
capacidade criadora.


