Minimalismo Poético: Uma Jornada de Sobrecarga e Autodescoberta
O poema "Minimalismo", enriquecido pelo texto que o acompanha, transcende uma simples expressão poética para se tornar um documentário lírico e autobiográfico, sob a perspectiva neurodivergente.
Impression Soleil Levant, Claude Monet, 1872
Minimalismo
Os caminhos antes selados pela ignorância
abertos à inexperiência da vontade,
aos ímpetos mais cruéis da vaidade.
Expostos ao temor e à ânsia
de pupilas que se debatem na claridade.Uma Ironia Pessoal
Minimalismo é uma mostra de que nem sempre fui verborrágica. Termo que, aliás, tem me perseguido e sido incluído em meus prontuários médicos, pois, considerando as consultas a jato, eu despejo informações que considero necessárias, e os doutores anotam minha necessidade como patologia.
Em "Minimalismo", a súbita ampliação do habitat familiar para os ambientes de trabalho e a cidade grande exigia concisão. O ambiente hostil (para mim), no qual cresci, era um palco fechado com poucos atores em cena. Tudo o que estivesse fora desse palco não me interessava, e não memorizei. Memórias da escola são relances, visagens.
Já a nova realidade, que se inaugurou a partir dos 14 anos, requeria total atenção. E tudo era demais. Muita informação, processamento ininterrupto. E quanto mais eu via o mundo, menos queria ver. Quanto mais me via no mundo, menos gostava de mim e menos queria estar. E, ao mesmo tempo, ansiava desesperadamente pertencer, me integrar.
A Dor da Lucidez e o Refúgio na Penumbra
Acreditava ter uma lucidez desnecessária. As pupilas que se debatem na claridade estão cegas pela luz que deveria iluminar. Eu ansiava pela penumbra. Por muito tempo invejei os que pareciam míopes para coisas que destroçavam meus olhos.
Organizar era a ordem. Sintetizar, o caminho. Regular o foco como as pupilas de um gato se adaptando à claridade era um desejo de quem podia enxergar no escuro sem saber como. Aliás, o escuro, a penumbra, sempre me trouxe repouso, desde que eu fechava o beliche com cobertas e transformava meu andar inferior em uma cabana na casa barulhenta da família. Eu, que sempre preferi as interações minimalistas – com menos ruído, menos estímulos complexos, menos interação social – agora precisava me integrar na marra.
A Luta pela Adaptação
Eu agora fazia parte de uma engrenagem social mais complexa e sabia que, apesar de não parecer, a infância foi um período de menor consciência das complexidades sociais, mas não seria possível fechar os olhos e retomar esse estado mental de criança que sonha em fugir para uma ilha deserta ou mundos mágicos. Eu tinha uma realidade desafiadora de trabalho e poucas oportunidades.
O que demandava ler o mundo não só nos livros, mas nas cartilhas não escritas, nos manuais de operação de cada instituição e nos conluios. E eu havia introjetado a educação austera que me formara até então, de tal forma que cada equívoco era uma martelada em meu ego exposto. A exposição ao mundo "normal" ou a certas situações sociais era física e emocionalmente devastadora. Eu me debatia para permanecer de olhos abertos e adaptar minha sensibilidade a essa exposição exagerada. Mesmo conciso, Minimalismo fala de um sentimento de vulnerabilidade e desamparo e do esforço de adaptação inerentemente doloroso e difícil de processar, criando metáfora para a sensação de estar à mercê de estímulos externos avassaladores.
Minimalismo: Um Vislumbre de Futuro e Aceitação Neurodiversa
Anos mais tarde, minha terapeuta diria: “Você devia amar a sua dor”, me fazendo quase desistir da terapia depois de um vínculo de anos, pois eu ainda estava cega pela intensa claridade dessas experiências. O "minimalismo" do título ainda é um vislumbre de um futuro a ser atingido. O poema é a primeira peça de um quebra-cabeça semovente e luminoso que tento enxergar. Estranhamente, com a idade, a visão escurece e parece se regular aos poucos, até que a luz não doa mais e, ao menos, os vultos que vemos têm suas arestas esmaecidas. É menos sobre apreender o mundo como ele é e mais sobre expressá-lo como o vemos: imperfeito e belo.



