Hipótese: O Tempo e a Força do Sentir no Autismo
Uma reflexão profunda sobre a aceleração do tempo, o esgotamento emocional e a busca por conexão, sob a perspectiva de uma jovem autista. Poema escrito entre 14 e 20 anos de idade.
Hipótese O futuro vem tão depressa! Quando me dou conta, já é o presente, e o sonho que meus lábios adoça torna-se um bem ausente. E meu coração vai se calando, como se precisasse adormecer; e eu sinto-o se acomodando na penumbra do meu ser. Se eu pudesse ressuscitar o tempo e ter de volta meu coração viçoso e meu olhar luminoso e limpo, teria muito mais para oferecer ao teu olhar glorioso; único lugar que me apraz viver.
Visto como uma manifestação genérica de melancolia natural da adolescência, "Hipótese" ganha novos desdobramentos quando hoje reconheço a adolescente autista. A percepção da passagem célere do tempo e das parcas possibilidades de promover as grandes mudanças que minha situação precária requeria, nesse período, ainda exigia enfrentar o esgotamento emocional e físico.
Eu tinha uma facilidade consciente, que se naturalizou com o tempo, de compartimentar minhas emoções. O que muitas pessoas chamam de "agir na força do ódio", para mim, significava viver sob o crivo da razão (com um pouquinho de ódio, claro!). Mas nunca pude, de fato, evitar o meu sentir intensamente de forma permanente. O esgotamento, ou shutdown, era um mecanismo de defesa.
Ainda hoje me pergunto se o que tornou minha memória um tanto difusa nesse período foram os momentos de shutdown nos quais eu me fechava para o mundo e agia no automático, fazendo o absolutamente necessário, sem processar o esgotamento físico ou a dor física. Ou se ela se torna difusa quando eu começava essa compartimentalização e o shutdown propriamente dito era o completo blur, um entorpecimento completo de corpo e alma do qual não retenho nenhum relance de memória. É mais fácil lembrar do colapso, que é um meltdown. Mas o choro, para uma mulher, é normal, não é? A dor da mulher é sempre relativizada e amenizada pelas crenças construídas sobre gênero.
Hoje, percebo que essa compartimentalização é, na verdade, parte de uma incapacidade direta de lidar com as emoções, mas também de um mascaramento. A gente guarda para depois o que não consegue assimilar em tempo real. É nesse ponto que, para mim, a escrita entra em jogo. O processamento é em retrospectiva, racionalizado e, quando permeado pelo sentimento de perda, está ótimo. Afinal, a vergonha seria o ponto mais baixo, o nadir da percepção, quando tudo se torna claro.



