Gemido: O Canto Silencioso da Alma Poética
Em um abraço de luz e inspiração ancestral, o silêncio da alma encontra a melodia da musa. Uma jornada poética onde a vulnerabilidade se transforma em arte, guiada pela sabedoria etérea.

Gemido Meu coração pulsa moroso, ressentido Em vigília, a poesia dele se compadece e terna o inspira enquanto ele tece o verso para ludibriar o gemido
Este é um poema que evoca em esse sentimento de cuidado que temos com as coisas pequenas e preciosas. É ao mesmo tempo uma ternura e um pesar. Ou será que a ternura admite esse viés melancólico em sua tecitura?
Ao escolhe-lo para o post da semana lembrei que Abyssalia o havia incorporado. “O verso para ludibriar o gemido” é uma síntese do meu fazer poético elaborada, acredito eu, nos últimos anos da primeira década deste milênio, enquanto era muito ativa na finada rede social Orkut. Em abyssalia o a síntese tornou-se um micropoema:
Espólio
O verso,
para ludibriar o gemido.
Este é um poema que evoca em mim esse sentimento de cuidado que temos com as coisas pequenas e preciosas. É ao mesmo tempo uma ternura e um pesar. Ou será que a ternura admite esse viés melancólico em sua tecitura?
Ao escolhê-lo para o post da se é uma síntese do meu fazer poético elaborada, acredito eu, nos últimos anos da primeira década deste milênio, enquanto era muito ativa na finada rede social Orkut. Em Abyssalia, a síntese tornou-se um micropoema:
Espólio
O verso, para ludibriar o gemido.
Este minimalismo pareceu mais erudito e hermético, porém sua fonte é esta quadra poética que confidencia vulnerabilidade e uma prostração comumente repreendida.
“Gemido” tem a alma lírica e a concisão de uma trova, mas, por não seguir a regra rígida da métrica de sete sílabas, ele não se enquadra tecnicamente nessa forma poética tradicional. É uma quadra de versos livres com rimas interpoladas, que ao desvelar um estado de espírito que hoje sabemos ser uma sobrecarga autista, revela a invenção de uma ferramenta de autopreservação.

O Colo da Musa: Poesia como Validador
A Poesia tornou-se meu único validador nessa época de adaptação violenta. Era me adaptar ou perecer. E eu estava completamente só, onde quer que fosse, e não importando a multidão ao meu redor. Mesmo para comunicar o sofrimento a gente precisa ter vocabulário e saber ler o ambiente e o interlocutor. Eu não sabia.
“Em vigília, a poesia dele se compadece”
Neste cenário, a Poesia personificada não é apenas uma “companheira”. Ela é a única entidade que “se compadece” e acompanha a trajetória turbulenta. É o único espelho que reflete a dor daquela adolescente e diz: “Eu vejo você. O que você sente é real”.
A “vigília” evoca uma figura quase materna. Em Perséfone EM Hades, escrito duas décadas mais tarde, a Musa toma de novo esse lugar materno que seria de Deméter. É a poesia que dissolve os delírios de amor da mesma forma que abraçava a febre adolescente. A Poesia ontologizada oferece proteção e um sistema, uma estrutura (métrica, rima, ritmo).
O ato de “tecer o verso” é um ato de auto-regulação. É pegar o sofrimento caótico e dar-lhe forma, contorno e sentido. A inspiração “terna” que só a segurança de um colo materno pode oferecer instaura esse processo seguro e interno, longe dos julgamentos alheios. O processo de “tecer” — seja em palavras, padrões ou sistemas — é uma forma vital de organizar o caos sensorial e emocional. A experiência interna pode ser avassaladora, um “gemido” bruto e disforme que a jovem poeta entende, instintivamente, que não pode ser mostrado ao mundo, pois não será compreendido e só trará mais vulnerabilidade.
A Tradução da Dor
E assim, o prenúncio de um meltdown, leva ao recolhimento no colo poético dessa Musa que oferece uma tecnologia de regulação. Ela permite processar a dor internamente e, ao mesmo tempo, mascará-la externamente de forma segura e até bela.
A beleza do resultado, tanto quanto do processo, possibilita transformar o ruído grotesco em um conjunto melódico de sons e sentidos. Enquanto o processo distrai e ludibria o eu lírico, o resultado engana o mundo. Focar no “tecer” do verso distrai o cérebro da dor imediata. É uma estratégia de enfrentamento para sobreviver ao momento, enquanto o verso resultante é uma tradução socialmente aceitável do gemido. O mundo pode não aceitar o “gemido” bruto da dor autista, mas aceita um “poema” como uma expressão artística válida.
A poesia se torna a tecnologia paliativa. Ela não cura o gemido, mas o transmuta por meio do engano. Ele continua existindo, mas assume outra forma.
A Alquimia do Verso: Solve et Coagula
A grande máxima da alquimia é Solve et Coagula: Dissolver e Coagular. O objetivo não é destruir o chumbo, mas transmutá-lo em Ouro.
“Gemido” exprime a fase do Nigredo (o escurecimento, a putrefação). É o momento de encarar o “gemido”, de se deixar afundar no “ressentimento” para entendê-lo, para dissolvê-lo da sua forma bruta. É a poesia que “se compadece”, permite olhar para a dor e a dissolve. A essência é purificada e recebe uma nova forma: o “verso”.
A poesia, como a alquimia, é a arte de transformar o vil em valioso, a dor em beleza.
A Essência da Dor: Alquimia Botânica
Não poderia deixar de exprimir outra dissociação direta causada pelo poema: minha fixação pelo livro O Perfume, de Patrick Süskind. A perfumaria não é apenas um “braço” da alquimia; ela é, em muitos aspectos, a alquimia em sua forma mais prática e bem-sucedida. Historicamente e filosoficamente, as duas práticas estão profundamente entrelaçadas.
O equipamento fundamental para ambas era o alambique. Uma das ferramentas de Jean-Baptiste Grenouille para encontrar as 13 notas de um perfume que o humanizaria para o senso comum e, creio eu, para o próprio, já que, inebriado pela própria criação e pelo alcance de seu propósito, como um Cristo ele ofereceu seu corpo aos esfomeados, numa recriação canibalística do mito cristão.
Os alquimistas buscavam a Quinta Essentia (a Quinta Essência): a alma, o espírito ou a força vital pura escondida dentro da matéria. O perfume era considerado essa quinta essência. O aroma volátil que subia da planta durante a destilação era visto como a alma literal da planta sendo liberada. Simbolicamente, a alma era, portanto, o que Grenouille extraía de suas vítimas. De certo modo, ele obteve a “quintessência” do que é ser humano. Uma pena que a espargiu sobre si para atirar-se a uma turba de humanos esfaimados, e nós que padecemos desse senso comum de humanidade precisamos empreender a mesma jornada que Jean-Baptiste empreendeu, a começar por amor e psiquê, assim como ele. Afinal, nada se cria sem o amor e a alma.
O processo poético como Perfumaria é a arte da destilação e da concentração. Extrai a essência da matéria bruta, usando o calor e a pressão de uma sobrecarga autista. O resultado da destilação não é mais a pétala, mas uma única gota de óleo essencial – a essência pura. O poema é isso.
Uma quadra como “Gemido” não é a descrição de dias de sofrimento; é a essência concentrada do sentimento.
Seja imbuída do esoterismo do alquimista ou da estética do perfumista, a alquimia poética se fixa como uma tecitura que materializa um ato de purificação e refinamento. Você pega o caos, aplica um processo (a arte, o “tecer”) e o resultado é algo belo, concentrado e, de certa forma, eterno. externo hostil. É a criação de uma ponte segura entre sua percepção neurodivergente e a realidade social que a invalida. Um ato de resistência e inteligência emocional profundas.


