Do Grito de "Revanche" à Liberdade
A Dor Oculta de um Soneto e a Superação do Trauma de Infância
17 anos, acredito!
Revanche
Se a minha fúria pudesse tocá-los
Estremeceriam ante a força imensa
E sua vergonha seria fatal e extensa
se em minha dor pudesse mergulhá-los
Esta sim seria minha maior vingança
aos que me julgaram fraca e impotente:
fazê-los queimar nesta alma ardente
onde ainda guardo os sonhos de criança.
E vê-los a pagar na mesma moeda
e cair por seus próprios artifícios
sem ninguém para acudi-los na queda.
E vê-los a fitar-me com vergonha e inveja
pois vingança é dos mais prazerosos vícios
e do qual não há amor que me protejaO Soneto "Revanche" e o Trauma da Infância
"Revanche" é fruto de um "ritual de humilhação" vivido no decorrer da infância. Nesse período, a criança ouvia em silêncio o "rol de seus erros", sem distinção entre a gravidade ou a idade dos atos, diante de toda a família. Os perpetradores eram o pai, a mãe e o irmão, os adultos da casa. A humilhação se completava com o isolamento e o riso dos outros membros da família, afinal, "diga-me com quem andas e te direi quem és" é um ditado muito eficaz em situações de conflito e estruturas de poder.
A Fúria da Alma Ardente
A fúria e a dor não são meramente abstratas; são o resultado de anos de vulnerabilidade e imposição silenciosa. A criança, forçada ao silêncio durante os rituais, agora, na adolescência, arde por dentro como um caldeirão fervendo. Ela deseja que os agressores "mergulhem" nessa dor, em uma imersão forçada na vergonha e no sofrimento.
Parece cruel, mas esse desejo resguarda a ingenuidade de crer que, se eles pudessem sentir o que eu sentia, compreenderiam a crueldade dos próprios atos. Meus sonhos de criança eram sonhos de amor. Eles se deparariam com o melhor – por eles ignorado em favor de uma obediência que conteria minha curiosidade questionadora e meus meios de autorregulação, o que deflagraria o meu colapso – e com a dor causada.
A Traição Familiar e a Inocência Perdida
Para uma criança ser rotulada e humilhada em vez de compreendida e apoiada pela própria família é uma traição profunda. A "alma ardente" não é apenas raiva; é a chama da dor acumulada e dos "sonhos de criança" que foram queimados ou distorcidos por essa experiência traumática. Para uma autista, que certamente enfrentava desafios na comunicação e na compreensão social, isso é devastador.
A Vingança como Restauração e a Nova Perspectiva sobre a Mãe
A vingança, neste contexto, não é apenas um desejo destrutivo, mas uma tentativa desesperada de restaurar um senso de controle, justiça e dignidade que foi sistematicamente negado. E é esse senso de controle que me dá uma nova perspectiva dessa revanche: minha mãe também é autista. É temerário dizer isso quando ela não tem laudo e certamente não terá. Mas ela tem todos os meus traços, alguns com mais rigor, como a rigidez cognitiva. A necessidade de controle dela atravessou muitas vidas. Ninguém saiu ileso.
Hoje, aos 77 anos (ou prestes, daqui a dois dias), ela tem uma personalidade narcisista mais do que consolidada e ainda controla todos à sua volta. Provavelmente é muito mais inteligente do que toda sua numerosa família. E como tentou me controlar, ela foi controlada e confinada em uma percepção de mundo reduzida e destrutiva. E todos ainda caem em seus artifícios, porque foram modulados por ela. Alguns desenvolveram, inclusive, alguns de seus traços e modus operandi. Isso faz dela uma vilã? Não. Ela é uma vítima de uma forma de educar mulheres altamente inteligentes em uma realidade misógina. Ela se tornou o que precisava ser para a própria sobrevivência.
A Ineficácia da Vingança e a Vitória Invisível
Meu anseio por um equilíbrio cósmico, onde o sofrimento causado retorna aos perpetradores, no entanto, não teria efeito sobre ela ou sobre aqueles cuja alma sua dor maculou. Ela seria vítima e eles, seus vingadores. E destruiriam minha alma ardente. Por quê? Sua capacidade de empatia não foi exercitada e desenvolvida. Ela criou mecanismos de sobrevivência que demandam controle e não empatia.
Também não suscito inveja e talvez jamais a suscite. Compreendo, neste momento, que eles não admitem e jamais admitirão que os venci. Minha vitória é invisível para seus olhos.
A Superação e o Amor em Distância
Naquela época, anos 90, eu de fato considerava muito prazeroso imaginar esse meu retorno triunfal para ser acolhida, amada e respeitada. Imaginava isso de muitas formas, e isso me dava um certo alento; então, era um vício válido e relativamente prazeroso. Hoje, tenho outros prazeres. Criei distância entre nós em um nível profundo e indestrutível.
Me alegra dizer que o amor não falhou. O amor-próprio e o amor ao próximo demandam desejar-lhes sempre o melhor. E talvez o melhor seja clareza e amor. À distância. Se a dor tiver que fazer parte da aquisição dessa clareza, não virá de mim. Eu sou o santo de casa que não faz milagres.
Mas "Revanche" tem seu valor, não apenas como um grito de raiva, mas como um lamento por uma infância roubada e uma busca desesperada por justiça e reconhecimento. A "revanche" transcende o mero desejo de ferir; é um anseio por reverter o papel de vítima, de ser vista e respeitada, e de, finalmente, liberar-me do peso de um passado brutal. O poema se torna um testemunho pungente da resiliência (ainda que dolorosa) e da busca por validação de uma voz que foi silenciada por anos. E que agora fala.



