Ilustração para a capa do livro “De sombras e de Lua”, de Deisi Jaguatirica.
Anemoia
Que fascínio me causa esse estranho passado,
quando os homens tinham a tenacidade do aço,
fosse pelo espírito frio e o coração sem laço,
ou pela simplicidade do objetivo alçado.
E quando, diante da seiva da vida derramada,
havia respeito aos guerreiros e à sua causa.
Muitos foram reis no fio do ódio que arrasa;
tantos pereceram com honra, no fio da espada.
Nesse tempo, sob espesso véu de feitiçarias,
eu estive, espada em punho, em minha guerra.
E se minha carne serviu de adubo a essa terra,
essa terra serviu de fértil adubo à minha alma,
que mais cresce e mais para o mundo se arma,
e mais recorre às antigas e próprias magias.
Anemoia é um neologismo que surgiu em meu vocabulário na semana passada, por acaso. Minha desconfiança do termo "acaso" advém do fato de a postagem do poema "Hipótese", nesta segunda-feira, ter me colocado em uma reflexão sobre o tempo. Isso fez meus olhos se voltarem para um dos poemas mais bobos, até então, em minha percepção da escrita adolescente. Seu nome original era "Tenacidade", mas, ao relê-lo, a palavra "anemoia" tomou seu sentido de assalto.
Este neologismo, que encontrei em minhas divagações pelo Pinterest — onde mantenho coleções e, dentre elas, a de palavras —, parece pertencer ao "Dicionário das Tristezas Obscuras", de John Koenig, e descreve a saudade de um tempo no qual nunca vivemos.
"Tenacidade" nasceu dessa nostalgia, do meu gosto por filmes de artes marciais na infância e de um conceito de honra a eles atribuído, que eu intentava desenvolver em mim, já que não via ao meu redor. A inconstância à minha volta se ancorava principalmente nas falas das pessoas, suas promessas e posicionamentos em constante mutação, e em relação escandalosa com a conveniência. De certo modo, essa cultura que eu consumia me deu subsídios para criar meu código ético que, devo dizer, na infância era muito mais rígido do que hoje em dia. Palavra dada era palavra cumprida. Questão de honra.
Também nessa fase da adolescência, tive mais contato com os quadrinhos, pois podia comprá-los. Cheguei a ter uma coleção da Revista do Wolverine do número 1 ao 34. E, como no caso do nanico, havia em mim uma fera. Uma fúria me consumiria se eu não tivesse a imaginação capaz de criar cenas, esquetes e histórias nas quais eu me sentia menos vulnerável.
Ainda sinto uma profunda conexão com as armaduras. "Perséfone EM Hades" tem um projeto gráfico fundado em uma armadura. A narrativa visual tem a armadura como componente, assim como a narrativa poética cria uma armadura de palavras, como um feitiço sussurrado.
"Tenacidade" parecia-me muito bobo por conter em seu cerne a possibilidade de uma outra vida. Honestamente, eu repreendo em mim as tendências religiosas e as crenças inexplicáveis tanto quanto preciso do exercício poético e acredito na magia transformadora da palavra.
Agradeço à menina de menos de 16 anos que escreveu este poema para acalmar a fera em suas entranhas, pedindo por coerência e honra em um mundo caótico. Para honrá-la, alterei o título que amplia o significado por ela atribuído e melhorei a pontuação, sem alterar nenhuma palavra no corpo do soneto, composto em decassílabos, com métrica perfeita e propósito maior. Deixo com você, leitor, as duas versões.
Tenacidade
Que fascínio me causa esse estranho passado
Quando os homens tinham a tenacidade do aço
Fosse pelo espírito frio e o coração sem laço
Ou pela simplicidade do objetivo alçado
E quando diante da seiva da vida derramada
Havia respeito aos guerreiros e à sua causa
Muitos foram reis no fio do ódio que arrasa
Tantos pereceram com honra no fio da espada
Nesse tempo, sob espesso véu de feitiçarias
Eu estive, espada em punho, em minha guerra
E se minha carne serviu de adubo a essa terra
Essa terra serviu de fértil adubo à minha alma
Que mais cresce e mais para o mundos e arma
E mais recorre às antigas e próprias magias
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