Contestação: O Amor Autista e o Retrato das Sombras
Revisitando meus poemas de juventude (14-20 anos): uma análise sobre o amor romântico, a rigidez cognitiva como proteção e o 'amar autista' em um mundo de regras de sedução.

Contestação
Desejo liberdade até nos versos,
quero-os isentos de quaisquer regras.
Já está a vida tão cheia delas
que sábios de ocasião dão-nos a honra
de sua inestimável intervenção.
Está difícil seguir um simples instinto
ou indícios levados pela intuição.
Todos estão seguros em indicar
como deve se portar meu coração
e medem minhas palavras e gestos
com intuito de dar-lhes correção,
para que estejam bem servidos
das diversas estratégias de sedução,
mas para tudo preciso de sentido:
não seduzo sem-sentir paixão.
Me entrego em olhares profundos
que não possibilitam distorção
e emudeço buscando palavras certas,
belas em sonoridade e conotação.
Como se nunca tivesse me apaixonado,
o pensamento se desdobra em devoção
pelo meu modo de sentir apavorado.
Amo sem que me assista a razão.
Como versos ditados pela verdade
e lidos em maravilhosa exasperação.
Contudo, instigam-me à infidelidade
de me ignorar e amar sob condição,
como se fosse o amor manipulado
pela minha simples disposição.
Este é um poema que demarca a entrada em uma seara complexa que deixei para analisar por último: o amor autista. Ou o amar autista.
O amor romântico, tema deste poema, é uma pedra no sapato de pés sensíveis que se ressentem da costura da meia. E, como mulher, o amor romântico é incutido em minha mente desde o seio familiar, no qual a família e o casamento parecem ser a única finalidade, especialmente para a mulher.
Quando jovem, mesmo com minha mente tendo sido confiscada pelas idealizações consumidas (sim, consumidas em livros, filmes, catequese), nunca me deixei sitiar completamente. Nessas horas, a rigidez cognitiva é uma bênção pois, somada à necessidade de previsibilidade e, por conseguinte, de controle, ela nos leva à criação de um código ético. E tudo o que fira ou contrarie esse código é rechaçado metodicamente.
E meu método era a poesia. Meu laboratório de análise dos incômodos e desconfortos causados pela inconstância do mundo era poético. Nesse laboratório, os vernizes eram escorchados, as amordaças roídas até o completo puimento e os moldes desmantelados desde as moléculas.
Curioso como o tema deste poema ainda é atual, especialmente considerando a proliferação de coaches de relacionamento que difundem técnicas de sedução e “escalas de valor” pela web.
Eu não sei se ainda há resquícios de idealizações românticas em mim. De algum modo, acho que os deixei morrer, não fecundados como os óvulos. E, sem o chamado da maternidade, o ideal da família “comercial de margarina” perdeu completamente o sentido. O amor precisa de outras cores, menos amarelas, sintéticas e comerciais. E não, não enxergo essas cores no momento. Em uma breve leitura nesta última semana, descobri que o modo como me sinto pode ser só mais um sintoma da distimia. Eu realmente pensava que era maturidade! Agora não sei.
Certo é que o amor estará em pauta nos próximos poemas. O amor… o amar autista estará em pauta. E eu tenho muitas histórias para contar. Ou, para ser honesta, muitas análises para fazer.


