A Transformação de um Poema: "Aprendizado" Ontem e Hoje
Uma Análise de "Aprendizado" sob a Perspectiva da Neurodiversidade.
Foto de 6 ou 7 anos atrás, no ateliê de pintura.
O que me comove em ‘Aprendizado’ e o tornou relevante para sair do caderno da adolescência para a newsletter é o fato de que o soneto revela a percepção de que a leitura das emoções alheias e suas correlações com o mundo e seus contextos não me era natural, mas aprendida. “Aprendizado” é um poema que documentou minha luta para participar do mundo e, como documento, valida, de certo modo, meu diagnóstico de TEA. ‘Aprendizado’ também é testemunho de uma luta diária na vida do autista. Claro, com o tempo adquire-se repertório e esse “aprendizado”, que no meu caso foi construído com observação e muitos livros sobre expressão corporal e comportamento humano, se naturaliza para quem vê de fora. De dentro da gente, entre a expressão e a comunicação, há um corpo preparado para um ataque inimigo, mas temoroso de não ter “kung fu” suficiente para o combate.
Aprendizado: Versão Original - mais de 25 anos
Já detecto dor através de gentis palavras
e percebo o sofrimento nas linhas do rosto.
Compreendo a solidão, o desgosto que trava
e este destino parece me ter sido imposto
Trago comigo lembranças e palavras gastas
e as permito fluir, as celebro alegremente
senti-las e escreve-las não me desgasta
tanto ao esconde-las em meu semblante
Conto vidas e histórias em saborosos versos
junto os meus muitos fragmentos dispersos
e monto e compreendo duras lições de vida
Transformo dor, sonho e solidão em arte
Decomponho assim tristeza que me bate
Esta é a aprendida lição, sempre revivida
Das prévias tentativas frustradas de reescrever o poema restou uma decisão de desfazer a inversão no último verso (aprendida lição). Mas ao compreender o poema pela perspectiva da neurodiversidade decidi fazer mais alterações. O primeiro verso, por exemplo, pedia uma adição de novos conhecimentos adquiridos: eu percebo com mais facilidade as variações emocionais e intenções por meio da voz do que pela expressão facial. É uma leitura mais rápida, como se houvesse uma sensibilidade maior e um foco mais direcionado, além de um banco de dados maior. O que provavelmente está diretamente ligado com meu gosto pela poesia e a prática por meio da escrita. Ainda na primeira estrofe, o tempo e a experiência me obrigaram a remover a cacofonia do “me ter” no quarto verso que tornou-se “ e este destino parece ter-me sido imposto”. E assim o poema ganhou um certo refinamento e uma valorização do sentido da audição e do meu vínculo com a poesia, que também é reforçado pela substituição de saborosos por sonoros no nono verso.
Aprendizado: Versão Revisada- Uma Nova Perspectiva
Já detecto dor pela inflexão nas palavras
e percebo o sofrimento nas linhas do rosto.
Entendo a solidão, o desgosto que trava
e este destino parece ter-me sido imposto
Trago comigo memórias e palavras gastas
e as permito fluir, as celebro alegremente.
Ao senti-las e escreve-las não me desgasta
tanto esconde-las em meu semblante.
Conto vidas e histórias em sonoros versos,
junto os meus muitos fragmentos dispersos
e monto e compreendo duras lições de vida.
Transformo dor, sonho e solidão em arte.
Decomponho assim tristeza que me bate.
Esta é a lição aprendida, sempre revivida. Convido você, leitor sensível, a mergulhar nestas duas versões de "Aprendizado" e a participar deste processo contínuo de descoberta e refinamento. Compartilhe suas impressões, suas leituras e o que ressoa em você em cada verso. Sua perspectiva única pode iluminar ainda mais as nuances desta jornada poética e do aprendizado que reside em cada palavra.



