A "Guerreira" Silenciosa: Decifra-me Ou Te Devoro
O poema decifra a experiência com a desconexão, o silêncio e um relacionamento abusivo. Um manifesto sobre resiliência e a força de uma ética particular, escrito em 1994.
Acredito que 16 anos nesta foto!
Guerreira Minha alma chora indignada, Se debate entre as grades, enraivecida, Se consome em seu ódio, encarcerada; Apenas o instinto a mantém a vida. Minha alma não lamenta, nem implora, Silencia sem, no entanto, consentir. Não é forte como a vida que a devora, Nem tão fraca que não possa resistir. Olha o mundo de olhar incendiado, Relutante, de sorriso apagado, Deixa mistérios flutuando no ar. Continua andando, pois é preciso, Embora triste, de porte altivo, Observa a vida, luta e sonha a suspirar.
Houve um tempo no qual eu esquecia de respirar. Ou, pelo menos, era essa a sensação. De repente, me dava conta de que necessitava de ar, o que me levava a encher os pulmões rapidamente e esvaziá-los no mesmo ritmo, resultando em um longo e ruidoso suspiro. Eu me "corrigi" com o tempo, mas o poema, cujo nome "Guerreira" é posterior à sua composição registrou esse velho hábito.
Aos 16 anos, eu ainda acalentava como uma real possibilidade criar um corpo novo e perfeito para mim, tamanha a desconexão entre mente e corpo. Não era uma questão estética; era uma sensação de aprisionamento, que esse poema também expressa.
Mesmo o instinto não era algo reservado ao meu corpo biológico, mas a qualquer coisa mais sutil que o habitava e na qual quase me reconhecia. Para mim, nessa época, o corpo era um impeditivo, uma fonte de desconforto e um labirinto no qual minha verdadeira essência, esse eu sutil, se perdia e confundia.
O Silêncio sem Consentimento: A Luta da Menina Autista
Eu ainda não me comunicava para além do estritamente necessário. Mas precisava estabelecer claramente que meu silêncio não era consentimento. Em "TEA Menina", escrevi: "Meu silêncio sempre guarda um instinto de insurgência". Na verdade, isso tem mais a ver com meu processamento "lento" do que me pareceu quando elaborei desta forma. Tive um relacionamento abusivo — 14 anos depois desse poema — que evidencia bem isso. Depois do "bombardeio de amor", percebi que o amado se abria mais e mais, mostrando suas sombras e arestas. Mas não sabia se era uma iniciativa de criar intimidade ou de me intimidar. Ele se dizia iniciado em ciências ocultas e, por um tempo, tive medo de que realmente lesse meus pensamentos. Com o tempo, ele parecia frágil e em minhas mãos magnânimas de musa salvadora. Suas confissões se tornavam mais e mais complexas e assustadoras. Eu não sabia se ele estava falando a verdade ou testando meus sentimentos e minha capacidade de amá-lo incondicionalmente. Tentava decifrar se o que ele dizia era verdade ou mais um teste e silenciava, em cálculos e tabulações de dados que muitas vezes não sabia ter memorizado. Entre seus testes estava incluso me convidar para caminhar pelo centro de Curitiba e me levar para a Praça Tiradentes, onde ficava observando por um bom tempo e de repente pedia para eu esperar que ele logo voltaria. Ia ao encontro de alguém que lhe fornecia nada mais do que crack. Foram alguns passeios até que eu entendesse o que ele fazia. E me perguntava: por que me incluir nessa transação comercial escusa? O que ele espera de mim?
Em um desses passeios, ele, de forma completamente descontextualizada, disse: "Um dia eu comi um cara, só para ver como era." O silêncio me congelava internamente, ou um congelamento interno me silenciava. Não sei. Não tinha dados suficientes para saber qual reação seria adequada. Ele prosseguiu: "Mas foi estranho. Não gostei. Ele gemia de um jeito estranho." Continuei em silêncio, sem saber como reagir. Ele se irritou e, exasperado, disse: "Você aceita tudo."
Ocorre que o meu silêncio guarda o tempo que preciso para processar as coisas. Apaixonada — não me julgue, você também não resistiria a um love bombing bem-feito — eu provavelmente estava, nesse momento do relacionamento, supostamente, sendo afastada ou subjugada pelo sujeito em questão. Talvez os dois, pois me parece que o propósito era me levar ao protagonismo catártico do papel de louca. Eu aceitei involuntariamente o papel mais tarde. Neste momento, ainda pensava que ele era o louco. Até esse ponto, o que fazia sentido para mim era que as drogas e o ocultismo tivessem conduzido aquela mente brilhante à loucura e, quem sabe, meu amor pudesse salvá-lo. Assim, não cabia um comportamento exagerado, raivoso ou enciumado diante dessa confissão. Não me parecia verdade; parecia mais um teste, uma peça em um quebra-cabeça que ainda não fazia sentido.
O papel da louca protagonizei quando ele, para se livrar do relacionamento, me disse que estava me deixando porque eu o traí com um mendigo. Em minha visão de sua mente doente, acreditei que o mendigo era uma parte dele mesmo, era como o desocupado que se dizia "flâneur" se via de sua percepção fragmentada.
Por fim, eu "perdi a razão" quando percebi que as pessoas estavam propensas a acreditar na versão dele e que, depois de todo o jogo psicológico que vivenciei, eu agora era uma traidora. Sinto pela moça que em um surto se deixou seduzir pelo mendigo, mas esse plot é meu. E sim, escrevi isso rindo.
Resiliência e Autoconsciência: O Manifesto da Mulher Autista
Quando pude me distanciar e enxergar de uma perspectiva mais ampla a história que vivi intensamente em poucos meses, pude perceber o que minha crença no amor incondicional não permitia: a perversidade. E só agora, passados cerca de 15 anos, posso nominar aquele silêncio que se esparramava nas feições inexpressivas e deixava o manipulador atônito.
Dizem que autistas são vítimas potenciais de narcisistas e psicopatas. Eu tenho minhas dúvidas. Acho que damos trabalho para quem espera um comportamento X ou Y, justamente porque não agimos conforme a norma. Ele só me pegou porque usou uma mentira e eu tinha pavor de que pensassem mal de mim. A ideia de todos acreditarem que eu era essa mulher infiel me feriu profundamente. Ele achou um campo minado e saiu pisando sem medo, porque, afinal, os homens saem ilesos de seus crimes quando aventam a mera possibilidade da perfídia feminina.
Fato é que meu silêncio guarda uma força primária de sobrevivência capaz de transcender a dualidade entre a mente e o corpo. Este, por vezes, é mesmo só uma máscara, uma matéria que enrijece quando a intensidade sensorial e emocional é extrema. A relutância é real e necessária, mas não é aceitação. Eu, na verdade, aceito apenas o que coaduna com uma ética particular e mais rígida do que muita masculinidade tóxica.
"Guerreira", o poema, é um manifesto de perplexidade e de uma resiliência que eu imaginava não ter tido até depois dos 30 anos. E também de um cansaço que tornava esse corpo mais análogo a uma prisão que eu precisava arrastar comigo. Eu já era o observador que se vê atuando, como em um sonho. Continuo andando, pois é preciso. A aparente conformidade com o fluxo da vida é obrigatória. O "porte altivo" às vezes desaba: falta tônus e estabilidade articular. Mas não falta resistência contra a ideia de ser vista como "quebrada" ou inferior. O ato de "sonhar a suspirar" ainda é a essência da esperança misturada com a melancolia. É o anseio por um futuro onde talvez eu não precise lutar tanto.



