Oryanna Borges

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Crônicas

A Caixa Torácica e a Palavra

Reflexões sobre Autismo Feminino, Alexitimia, Distimia e o Processo Criativo

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Oryanna Borges
mai 06, 2025
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Processos de criação são catárticos em muitos níveis. Alguns tão profundos que parecem insondáveis, pelo menos conscientemente. Recentemente, me deparei com a manifestação inconsciente de uma tristeza profunda. Eu sabia dela há dez anos, mas creio que na escrita, e sobretudo na rima, a sonoridade diminui o impacto, adicionando uma camada de beleza que parece transmutar o sentimento. Mas, ao desenvolver a ilustração 11 para o livro Helena Queria o Chapéu, a imagem da boneca desabada em uma reverência sorridente que resguarda uma resistência na mão esquerda, ainda não completamente transformada, me comoveu. Uma comoção rapidamente engolida e confinada em algum canto escuro da alma. Ou do peito, essa caixa que parece pequena demais para tanto sentimento guardado e, ao mesmo tempo, trancada e rígida, não pode transbordar. É sufocante sentir quando não se sabe processar esses sentimentos. E descobri que não sei. Nunca tive a oportunidade de aprender, ocupada que estava tentando sobreviver. Há um duplo ônus do autismo feminino sem diagnóstico precoce: sobreviver é mais difícil e exige mais dedicação e empenho do que o requerido em uma infância neurotípica e, assim, não sobra tempo e energia para atentar para os sentimentos. Esses mesmos que sequer temos aparato neurológico para compreender e aprender a lidar naturalmente. Eu tenho sorte de ter a poesia e esse narrador interno com o qual dialogar incessantemente. Mas suponho que essa não seja a regra. O que talvez eu tenha em comum com pessoas no espectro seja a rigidez cognitiva e o hiperfoco. E a escrita e a arte sempre foram o meu hiperfoco e válvula de escape. Eu escrevo para me regular e para processar sentimentos. Me expressar é a terceira parte desse tríptico que sustenta minha saúde mental. E, sim, eu tenho saúde mental. Navego o inconsciente quando não consigo processar conscientemente os sentimentos. Por isso mesmo já acordei chorando lágrimas inexistentes, de um choro sem explicação, mas profundamente sentido. E já acordei sabendo o que significava um sonho épico no qual Macária, a ‘boa morte’, enterrou em algum lugar seguro do meu inconsciente um sonho precioso que não podia ser realizado sem me custar a sanidade. E, enquanto proferia “as coisas que a gente mata dentro da gente para poder continuar vivendo”, eu concluía com uma frase de efeito o trabalho iniciado no mundo onírico. E dessa constatação surgiu um livro, em um lento e poético processamento de luto prévio. E eu tenho muitos lutos por pessoas e relacionamentos ainda vivos, trancados na caixa torácica. Lutos que me assombram em choros privados ou anonimamente vivenciados na multidão das ruas de Curitiba e dos ônibus lotados de despedidas.

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